Abr 24 2019

Discriminação Racials

por Fabio Manoel

A discriminação racial no Rio é uma triste ferida de nossa história que infelizmente tem custado a cicatrizar. E essa demora ocorre por ao menos dois motivos. O primeiro motivo seria à inaceitável desigualdade social que assombra o nosso país desde a colonização. O segundo motivo diz respeito ao sentimento hipócrita em não admitir esta realidade. A escravidão deixou marcas e criou a cultura do preconceito, principalmente nas capitais escravocratas, como o Rio de Janeiro. A cultura (ainda que sutil) de uma “superioridade branca e elitizada” sobre uma raça “inferior e subalterna” penetrou no inconsciente coletivo 1 de nossa sociedade e legitimou a segregação social.

A discriminação racial está expressa em números que torna evidente o abismo social entre brancos e negros. Segundo o IBGE, mais da metade da população brasileira (54%) é formada por negros ou pardos, sendo que a cada dez pessoas, três são mulheres negras. Todavia, em média, os brasileiros brancos ganham o dobro do que os negros e segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) a equiparação salarial entre negros e brancos apenas ocorrerá em 2089, ou seja, 200 anos após a abolição da escravidão no Brasil. Segundo o Instituto, 67% os negros no Brasil estão incluídos na parcela dos que recebem até 1,5 salário mínimo, e entre os brancos o índice fica em 45%. A mesma pesquisa também aponta que a crise de desemprego também atingiu com mais força a população negra brasileira: eles são 63,7% dos desocupados.

Em relação à violência a diferença é ainda maior. O assassinato de mulheres atingiu principalmente as negras. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de mulheres  brancas caiu 10% no mesmo período de tempo 2 . As mulheres negras também são mais vitimadas pela violência doméstica: 58,68%, de acordo com informações do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, de 2015.

1 teoria da psicologia  criado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, é a camada mais profunda da psiquê. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados, e é nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a todos os seres humanos.

2 Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais

Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras e de acordo com informações do Atlas da Violência , os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças 1 .

O Brasil ainda abriga a terceira maior população prisional do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China e mais da metade (61,6%) são negros e pardos 2 .

O sentimento de inexistência deste abismo social (e racial) é uma barreira que tem atrasado o processo de conscientização da discriminação e a implementação de medidas a fim de combatê-lo.

Felizmente, a despeito destas dificuldades, a criminalização do preconceito racial trouxe alguma esperança. De autoria do ex-deputado Carlos Alberto Caó, assinada em 5 de janeiro de 1989, a lei Caó definiu a punição para "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" com pena de dois a cinco anos de reclusão. Caó ainda auxiliou na regulamentação da Constituição Federal tornando o racismo inafiançável e imprescritível.

Após a Lei Caó, o Brasil avançou nesta matéria e teve outras legislações importantes na luta para combater a discriminação racial. Entre elas, o Estatuto da Igualdade Racial, sancionada em julho de 2010 e cujo objetivo seria "garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica". Os programas de cotas implementados pelos governos Lula e Dilma, a despeito de diversas críticas, trouxeram avanços.

TAtualmente, alguns projetos de lei relacionados ao racismo estão em tramitação no Congresso Nacional, como a inclusão da motivação por racismo como agravante para os crimes previstos no Código Penal, a tentativa de igualar a injúria racial ao racismo, a tipificação do crime de racismo cometido na internet e inclusão do racismo no rol dos crimes hediondos.

1  informações do Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

2 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

Todavia, a mera mudança na legislação não será suficiente para enfrentar o racismo nas suas mais diversas dimensões, e a estratégia mais efetiva para combater este racismo institucional e ideológico é a educação, o combata a desigualdade e o respeito a dignidade da pessoa humana.

Fabio Manoel - Criminalista

Para maiores informações sobre o tema: contato@fabiomanoel.adv.br